Para alguns solteiros, bate um desespero na noite de domingo. É como se fosse a última chance no final de semana de conhecer alguém ou de apenas descolar uma transa, em geral depois das tentativas frustradas nos dias anteriores. Em muitos casos, os critérios de seleção de um parceiro vão "se flexibilizando" (ou simplesmente desaparecendo) na contagem regressiva para a manhã da insuportável segunda-feira. No sábado, todos capricham no cabelo, no figurino, no perfume, e estão dispostos a pagar os preços exorbitantes dos clubes mais badalados. No final da domingueira, vale tudo para quebrar o jejum de beijo e sexo, como se jogar em boates mais baratas, na esperança (às vezes, falsa) de um público menos exigente, mais disponível para uma brincadeira erótica.
Na hora da xepa de uma festa, há realmente alguém que alimenta expectativas de conseguir um namoro sério? Às 4h, a pista começa a esvaziar, os casais se esfregam nas paredes, não há mais perfume nem carão no ar, acabou o papel higiênico no banheiro, uns se apressam para pagar a conta, quem ainda está sozinho (ou muito bêbado) já aborda até o barman e o segurança da casa. Tic-tac, tic-tac...Nas conversas, a abordagem já é mais direta com grandes riscos de ouvir e dizer mentiras capazes de levar alguém para a cama. Confira alguns truques comuns no papo de fim de feira.
1- O que você faz da vida?
Na hora da xepa, todos viram empresários, intelectuais, artistas, pós-graduados ou trabalham em multinacionais. Com medo dos estigmas e deduções precipitadas, muitos inventam profissões para seduzir em tempo recorde. Nem sempre se fala um absurdo. Aquele rapaz se apresenta como "sommelier", mas trabalha como garçom e deve, realmente, saber indicar pelo menos um vinho de mesa. Outros preferem usar a pronúncia gringa de suas funções ou eufemismos na ânsia de supervalorizar suas credenciais, como se o seu ganha-pão fosse 100% garantia de prazer, status e segurança. Assim cabeleireiro vira "hair stylist", vendedor de loja trabalha com "marketing" e blogueiro se diz "jornalista" (ok, aqui até se perdoa, afinal, nem diploma universitário se exige mais no país).
2- Você é ativo ou passivo?
No domingo, um quarentão barbudo começou a noite, ao lado do bar, bem sério, não mexia um músculo nem ao som do vocal mais estridente de diva. No meio da madrugada, o maduro com cara de professor da USP era outra pessoa: já se requebrava, se atracou com um fashionista de cabelos a la Jesus Luz e, no código universal de dizer ser ativo sem uma palavra, não parava de apertar a bunda do rapaz. Nem sempre isso funciona. Por vergonha, muitos sinalizam uma coisa e, na hora do pega pra capar, o "ativão da pista" quer, na verdade, ser penetrado. A lei da oferta e da procura explica o sucesso dessa mentira. No fórum de uma comunidade do Orkut de MSN gay, contei 7 passivos para cada 3 ativos declarados. Quem paga o motel? Não adianta consultar o código do consumidor. Regras injustas, mas possíveis: "versátil" (leia-se passivo), "gosto de coisas diferentes" (em geral, barebacking, fisting ou SM)...
3- Onde você mora?
O golpe mais manjado dos classificados de imóveis é aproximar endereços de moradia a parques, shopping ou outro lugar que valorize a vizinhança. Nas horas finais da festa, todo mundo se muda, num piscar de olhos, para bairros nobres: República e Santa Cecília viram Higienópolis; Bixiga e Consolação ficam nos Jardins; Cambuci e Liberdade na Aclimação; Itaquera e São Miguel Paulista viram Jardim Anália Franco. O estratagema funciona quando se busca apenas uma única transa. Quem mira namoro sério não costuma distorcer esse tipo de informação. Afinal, depois, só culpar a bebida e o barulho não é uma boa desculpa para se corrigir. Infelizmente, muitos ainda consideram o CEP na caça de parceiros. Às vezes, quem mente se entrega exagerando nas vantagens da redondeza ("Bem pertinho da Paulista", "Dá para ver o Ibirapuera", "Naquele prédio estilo Artacho Jurado").
4- Qual é a sua idade?
Em lugares frequentado pelo público não tão jovem, há uma unanimidade: todos nasceram no mesmo ano e sempre dizem ter 28 ou 38, por mais que os cabelos, rugas e outras referências digam o contrário. É algo antigo entre os vaidosos, mas graças aos avanços da cosmética e das cirurgias plásticas hoje se viva a todo vapor a "era das coroas assanhadas". Susana Vieira e Ana Maria Braga que o digam. Trintões e quarentões gays também preferem falar a idade de sua alma, em vez da cronológica. Mas depois das 3h da manhã, os compulsivos sexuais já recalibram seus radares, como faz um feirante baixando os preços de frutas e legumes no entardecer. Quem no início da balada azarava um gatinho de 20 e poucos anos já se satisfaz com um cinquentão de boné. Já a crossdresser que passou a noite jogando charme para o boy malhadão descamisado já se contenta com o gordinho de pochete.
5- O que você gosta de ouvir?
Sofisticar o gosto musical é outro papo típico da conquista desesperada. Fãs de ritmos brasileiros, como samba, pagode e axé, já são, ligeiramente, catalogados dentro de um perfil socioeconômico, muitas vezes equivocado. Alguns evitam revelar suas reais preferências, com receio de perder a paquera. Passam a citar artistas estrangeiros para reforçar uma imagem de eclético, cosmopolita ou "indie". Quanto mais restrito o nome, mais antenado soa. Há transas decididas após um saber o DJ preferido do outro. Nessa corrida louca para etiquetar as "vítimas", quem diz amar música clássica já ganha o selo de pretensioso ou esnobe. Para muitos, uma rápida olhada nas marcas das roupas, dos acessórios, calçado e traços como corte de cabelo e tatuagens já é suficiente para avaliar suas chances. Se usa óculos coloridos só pode gostar de new wave ou ler o Lúcio Ribeiro.
6- Como você vai para casa?
Nem adianta dizer que é dia de rodízio para justificar que está sem carro, pois realmente essa mentira deslavada não cola na madrugada. Mas os "sem-carro" sofrem um preconceito absurdo numa cidade onde o tipo de carango praticamente define sua classe social. Conheço travestis que voltam da Itália, e a primeira decisão de consumo no Brasil é comprar um veículo importado, instalar o som mais "cheguei" do mercado, dá-lhe "Destination Calabria" na madrugada. Michês e prostitutas não escondem de ninguém que, dependendo da marca do carro, a tabela de preços muda. No centrão, muitos deixam a boate no amanhecer, após o metrô abrir. Só os mais pragmáticos e maliciosos conseguem conciliar transa e carona, não necessariamente nessa ordem. Na hora do encantamento efêmero de fim de balada, o amor até pode ser cego, mas não gosta de andar de ônibus ou a pé nem gastar com táxi.
7- Quem são seus amigos?
Quem caça com amigos a tiracolo no clube tem de ficar esperto. Quanto mais gente conhecida por perto, mais fácil para ser pego no contrapé expondo seu perfil verdadeiro, se essa for sua preocupação. Prepare-se para ser julgado sumariamente com base nas suas companhias. Uma fila de banheiro já é suficiente para radiografar e desmascarar uma situação estranha. Ouvindo conversas alheias, dá para perceber que muitos dividem seus alvos em termos de açougue ("filé mignon", "carne de segunda", "bucho"). Naquele instante de agito e desejo desenfreado, tudo lembra um pôquer, um baile de máscaras. Pode até parecer bizarro, mas há gente em boates que engata uma paquera para depois tentar vender um plano de saúde, drogas ou convidar para dividir uma kitinete, distribuindo cartões e números de telefones. Não consigo identificar a hora exata em que inocência e ingenuidade se transformam em cinismo e desfaçatez. Desligue o desconfiômetro e tente aproveitar o final da festa. Se possível, não sinta raiva nem culpa por cair numa esparrela da noite. Há sempre um próximo domingão na sua agenda para encontrar ou encarnar novos personagens de mentirinha. (Fonte:A Capa)